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Imortais do Bioagro: Murilo Zerbini Júnior e a revolução na pesquisa de Vírus

A série especial “Imortais do Bioagro” encerra-se hoje destacando o professor e pesquisador Francisco Murilo Zerbini Júnior, eleito recentemente como membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Sua carreira no Departamento de Fitopatologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV) é uma jornada de paixão pela ciência e dedicação à pesquisa agrícola.

Desde jovem, Zerbini se encantou com a química e biologia, com uma atração especial por Engenharia Genética. Entrou na UFV em 1984, para o curso de Agronomia, já com um olhar voltado para o melhoramento vegetal. Foi durante a disciplina de Fitopatologia Geral, sob a tutela do professor Murilo Geraldo de Carvalho – um dos fundadores do Bioagro – que descobriu seu interesse por vírus, um agente patogênico de “enorme simplicidade, porém extremamente sofisticado”.

Hoje, Zerbini se destaca por suas contribuições significativas no campo da virologia. Sua atuação junto ao Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (no qual atua como presidente desde 2020) é um exemplo de seu impacto: nele, o pesquisador conduziu a atuação de virologistas de todo o mundo, em 2017, para a reformulação da taxonomia de vírus, incorporando dados de metagenômica. O trabalho foi considerado revolucionário, permitindo o entendimento do relacionamento evolutivo entre os vírus, a partir de eventos independentes de origem.

“Muito mais do que um exercício acadêmico, a nova taxonomia unificou o universo viral e permitiu, pela primeira vez, uma visão global da diversidade e do relacionamento entre os vírus”, Zerbini explicou em entrevista à Diretoria de Tecnologia de Informação (DTI) da UFV. Já em entrevista ao Bioagro, o pesquisador exemplifica: “Com a incorporação dos dados de metagenômica ao arcabouço taxonômico, inúmeras lacunas foram preenchidas em termos de relacionamento entre os vírus. Isso permitiu que relações de alto nível fossem, pela primeira vez, estabelecidas, levando à criação de categorias taxonômicas superiores (classe, filo, reino e domínio).”

Pioneirismo no combate às viroses agrícolas

Zerbini relata uma de suas primeiras e mais impactantes incursões no campo da fitopatologia, um projeto que visava transformar o cultivo do maracujá no Brasil. “Um dos primeiros projetos que executei no Bioagro, em colaboração com o prof. Wagner Otoni, teve como objetivo a produção de plantas de maracujazeiro geneticamente modificadas para resistência ao endurecimento dos frutos, a principal virose que afeta essa cultura”. Esse trabalho pioneiro, realizado já em 2003, visava plantas homozigotas imunes à doença – um marco que poderia ter colocado o Brasil, maior produtor mundial de maracujá, em um patamar ainda mais elevado.

“Infelizmente, por questões políticas, nunca obtivemos permissão para realizar testes de campo”, lamenta o pesquisador. Embora frustrante para a equipe, a repercussão desse trabalho abriu novos caminhos, culminando na nomeação de Zerbini para a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em 2009. Nela, ele desempenhou um papel crucial como relator no processo de liberação comercial do feijoeiro transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado do feijoeiro (BGMV). Na época, houve protestos de ONGs contrárias aos organismos geneticamente modificados (OGMs), popularmente conhecidos como transgênicos.

Esta variedade de feijoeiro, desenvolvida pela Embrapa, não apenas representou um marco na biotecnologia agrícola brasileira, mas também posicionou o país na vanguarda global da pesquisa em geminivírus. “O feijoeiro transgênico foi a primeira planta GM resistente a geminivírus do mundo”, enfatiza Zerbini. “Esse ponto é particularmente relevante, pois alguns anos antes da liberação comercial, um grupo de cientistas europeus escreveu uma carta ao editor da Nature Biotechnology afirmando que a resistência a geminivírus deveria ser abandonada como uma estratégia de engenharia genética porque não funcionaria.”

Anos após a liberação, o transgene foi incorporado, via melhoramento genético convencional, a diversas cultivares comerciais de feijoeiro que vem sendo plantadas em escala comercial desde 2020. “O plantio tem impacto ambiental altamente positivo, pois elimina a necessidade de controle com inseticidas do inseto vetor do vírus, a mosca-branca”, elucida Zerbini.

Parceria de peso para avançar na ciência vegetal

Zerbini cita outro projeto marcante de sua trajetória, este feito em colaboração estreita com a professora Elizabeth Fontes (também homenageada na série “Imortais do Bioagro”). A equipe se concentrou em desvendar os segredos de um grupo de vírus que desafia a produção agrícola no Brasil: os begomovírus. Eles, como destaca o pesquisador, não são apenas agentes patogênicos comuns, pois têm uma capacidade adaptativa notável, capaz de evoluir rapidamente e gerar novas variantes virais. “Nossos trabalhos demonstraram que as populações de begomovírus no Brasil possuem uma série de características únicas e que lhes conferem uma enorme capacidade adaptativa”. O achado é vital para entender como esses vírus podem causar doenças em uma variedade de plantas cultivadas, impactando a agricultura.

O professor relembra um artigo publicado em 2017, uma peça central desse projeto, responsável por descrever o método desenvolvido pelo grupo de pesquisa para quantificar a contribuição relativa de mutações e eventos de recombinação na evolução de begomovírus. “A aplicação desse método demonstrou que esses vírus evoluem predominantemente com base na dinâmica mutacional”, explica Zerbini. Este método, segundo ele, pode ser aplicado a outros vírus que infectam tanto plantas quanto animais, incluindo humanos.

Privilégio em estar no Bioagro: “ninguém faz ciência de qualidade sozinho”

A carreira de Zerbini floresceu no Bioagro, do qual foi diretor entre os anos de 2016 e 2019. Segundo ele, é um instituto que é “um centro de excelência não apenas na UFV, mas também a nível nacional e internacional”. A colaboração com pesquisadores como a professora Elizabeth Fontes e o professor Wagner Otoni foi crucial em sua trajetória, ilustrando a importância da sinergia científica. “Ninguém faz ciência de qualidade sozinho”, reforça. “Passamos por altos e baixos nesses 27 anos em que estou aqui, mas o saldo tem sido altamente positivo. Um grande destaque foi a aprovação do INCT em Interações Planta-Praga, coordenado pela professora Elizabeth, que entre outras coisas permitiu a construção do anexo onde meu laboratório está localizado atualmente.”

O pesquisador deixa um conselho valioso para futuros pesquisadores: entender o passado para construir o futuro, formular perguntas relevantes, manter um espírito crítico e persistente. “Fazer ciência no Brasil não é fácil”, ele afirma, “mas o esforço sem dúvida vale a pena.”

Posse na ABC

Murilo Zerbini Júnior foi recentemente eleito membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) na categoria de Ciências Agrárias. A cerimônia oficial de posse está programada para maio de 2024, durante a Reunião Anual da ABC no Rio de Janeiro. Além de sua contribuição significativa no Bioagro, o professor Zerbini também desempenha um papel vital como assessor especial da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFV.

Outras informações:
Laboratório de Ecologia e Evolução de Vírus – contato: (31) 3612-2423

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